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Reproduções

As obras de arte plástica são únicas, não podem existir mais que um exemplar: não há duas giocondas, nem dois davids, há apenas uma capela Sistina, qualquer outra moça com brinco de pérola de Vermeer fora do museu Mauritshuis não é a própria. Há as gravuras, mas elas só funcionam porque a série é única e todas são iguais: caso uma tenha um matiz alterado, toda a série é jogada fora.

Contudo, em tempos de graphic novels e fotografias, na arte visual passa a valer o conceito de reprodutibilidade apresentado por Walter Benjamim: por mais que um original de Eisner ou de Barks atinja valores absurdos, a força dos seus trabalhos está no acesso a que muitos podem ter às suas histórias.

Novamente citando Benjamin, as obras de arte ditas clássicas vêm providas de uma aura, há um culto envolvido em torno delas. Provavelmente os originais de Eisner e Barks adquiriram esta aura, mas não era a intenção inicial dos autores fazerem uma obra única: os desenhos faziam parte de um processo de produção.

Contudo, a tal aura ainda permanece no trabalho reproduzido em massa: o processo de produção só se iniciou a partir de um original, um filme com o termo Kane só pode ser a obra de Orson Welles. Ninguém aceita comprar um DVD com o título “Kagemusha” se não for o de Kurosawa.

Em ciências, contudo, a reprodutibilidade é necessária. As ciências exatas e biológicas  possuem como um de seus pontos de apoio a comprovação experimental de uma teoria e a sua reprodutibilidade. Um grupo de pesquisas realiza uma experiência e esta precisa ser reprodutível em quaisquer outros laboratórios que possua as mesmas condições de trabalho e ambiente. A água pura ferve a 100 graus Celsius em condições normais de pressão e temperatura em qualquer ponto do planeta. A luz percorre a velocidade aproximada de 3 X 108 m/s no vácuo. O spin do elétron é 1/2, medido aqui ou em Urano.

O que aconteceu com o ensino da matemática?

Fui uma das últimas pessoas a prestar o exame de admissão necessário para se classificar e ter o direito de passar do curso primário (equivalente aos quatro primeiros anos do ciclo fundamental) para o curso ginasial (equivalente aos outros quatro anos). Aos dez ou onze anos de idade já teria que enfrentar o pavor de um exame seletivo, tal qual o vestibular.

Fiz um curso preparatório onde se adotou um livro bem grosso, denominado “Programa de Admissão” (ou era “Curso”?). Lembro-me que era dividido em várias partes: Matemática, Português, História, Geografia. Estranhamente, não havia Ciências. Salvo engano, o primeiro texto na parte de português era “O meu cajueiro”, do Humberto de Campos. Como estou apelando à minha falha memória, é provável que eu esteja enganado quanto ao nome do responsável por esta parte, o professor Domingos Pascoal Cegalla.

Na parte de matemática, o responsável era o prof. Osvaldo Sangiorgi. Havia conceitos de frações, expressões numéricas como:

{2+[3-(4-2)+5]+(7-3)}

noções de metro, centímetro, quilômetro, litro, milímetro cúbico, área, MMC (Mínimo Múltiplo Comum), etc.

Isto tudo foi no final do ano de 1969. Sim, eu e meus colegas sabíamos resolver tais questões de matemática ou, ao menos, sabíamos do que se tratava.

No ano de 1981, um grupo de alunos de um curso do primeiro ano do colégio, o chamado segundo grau, hoje conhecido como curso médio, me procuraram para que eu ministrasse aulas particulares a respeito de trigonometria, desde o básico do básico:

sin2A + cos2A = 1

passando por soma de arcos e similares:

sin(A+B)= sinAcosB+sinBcosA

Anos depois, por volta do início do século XXI, alunos do curso de licenciatura em matemática em uma universidade paulista me pedem, no meio de uma aula de introdução ao cálculo de derivadas, uma explicação de trigonometria, que eles mal tiveram no ensino médio.

Neste ano de 2008, soube de alunos que acabaram de ingressar no ensino superior que não entendem porque 1/2 + 1/4 não é igual a 1/8 …